terça-feira, 9 de setembro de 2008

São 12%, não 60%

Foram publicados hoje os dados do Education at the Glance 2008, relatório anual da OCDE sobre os sistemas educativos. Há dados interessantes, embora não muito actuais (a maioria é de 2005 ou 2006; este é o delay habitual nestes trabalhos internacionais), que pode ser útil explorar neste blogue nos próximos dias. De qualquer forma, não posso deixar de achar interessante que a notícia que está em todos os sites de órgãos de comunicação - e que, suponho, reproduz um take da Lusa da 10 horas da manhã - tenha um erro grosseiro.
Assim, escreve-se:

Educação/OCDE
Portugal é segundo país de 27 com mais empregados sem qualquer qualificação
2008-09-09, 10h00
Lisboa, 09 Set (Lusa) - Cerca de 60 por cento da mão-de-obra em Portugal não tem qualquer formação específica, sendo apenas ultrapassada, entre 27 países ocidentais, pela Turquia, onde aquele indicador se situa nos 64 por cento, revela um relatório internacional.



Este indicador é muito importante, e é tratado logo no primeiro capítulo do relatório (indicador A1 (pp.28-50)). Mas o autor desta peça faz uma confusão enorme. Atente-se no quadro que está aqui em baixo, a partir qual a notícia foi, imagino, feita.

A OCDE divide as ocupações em 9 categorias, de acordo com a ISCO - International Standard Classification of Ocupations. Da responsabilidade da Organização Internacional do Trabalho, a ISCO é a grelha internacionalmente mais usada para organizar as ocupações em função das suas tarefas e funções. Como se pode ver, a ISCO tem 9 categorias:
Categoria 1: Legislators; senior officials; managers
Categoria 2: Professionals
Categoria 3: Technicians; associate professionals
Categoria 4: Clerks
Categoria 5: Service workers
Categoria 6: Skilled agricultural and fishery workers
Categoria 7: Craft and related trades workers
Categoria 8: Plant and machine operators; assemblers
Categoria 9: Elementary occupations

Para facilitar a análise neste reatório, a OCDE juntou as categoria 1, 2 e 3 em ocupações qualificadas (skilled); as categoria 4, 5, 6, 7 e 8 em ocupações semi-qualificadas (semi-skilled); e deixou a categoria 9 sozinha, relativa às ocupações não-qualificadas (unskilled) (como explica na página 34).

Podemos discordar deste processo de agregaçao de categorias; mas não podemos chamar nomes diferentes às coisas. Quando a notícia em causa diz que «cerca de 60 por cento da mão-de-obra em Portugal não tem qualquer formação específica», comete não um, mas dois erros. Primeiro, o indicador refere-se aos empregos, e não à mão-de-obra. (esta diferença é importante, porque uma das análises do relatório incide precisamente sobre a distinção entre o tipo de empregos existentes na estrutura económica e as qualificações da mão-de-obra. Por exemplo, conclui-se que em todos os países existem mais empregos - definidos como - qualificados do que mão-de-obra - definida como - qualificada. Este é um aspecto que podemos analisar num outro post.).

Segundo, basta olhar para a tabela - para a última coluna da direita (25-to-64-year-old population) - para ver que, para Portugal, o valor de 60 está na célula relativa às semi-skilled occupations (que agrega, relembro, as categorias 4, 5, 6, 7 e 8 da ISCO). Reporta-se a empregos na indústria, no comércio, nos serviços, na agricultura e na pesca que exigem competências (e/ou qualificações) específicas. Não se trata de forma alguma de empregos - ou, como diz a notícia, repito, erradamente - de «empregados sem qualquer qualificação». Se queremos saber quantas pessoas estão em empregos "desqualificados", vemos então que são 12% (para o ano de 2006; 13% em 1998).
Os 60% dizem respeito, antes, a ocupações semi-qualificadas, nos mais diversos sectores e actividades.