quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Tendências

O post anterior o Hugo chama a atenção para um dado importante: Portugal é um dos países mais desiguais da Europa (e também da OCDE), mas isso não significa que os níveis de pobreza tenham aumentado expressivamente nos últimos anos. Os resultados do relatório da OCDE confirmam, parcialmente, esta evidência, tal como tive oportunidade de referir neste texto. Na verdade, dados mais recentes foram apresentados por Carlos Farinha Rodrigues, que publicou um estudo onde se confirma esta evolução (pode ser lido aqui). Nele se pode ler, por exemplo, que a proporção do rendimento disponível auferido pelos 20% mais pobres aumentou ligeiramente de 7,4%, em 1994, para 7,7%, em 2005. O problema é que no 5º quintil não se verifica uma diminuição da proporção do rendimento auferido (mantém-se nos 42,8%). Quem parece perder (em proporção) são os estratos de rendimento intermédio, situação que não é específica de Portugal.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Discutir o(s) capitalismo(s)


Nos últimos dias têm sido publicados alguns relatórios internacionais, em particular o relatório anual da Organização Internacional do Trabalho (apresentação aqui, sumário executivo aqui) e um da OCDE. Ambos incidem sobre a questão das desigualdades e crescimento, embora o primeiro uma forte ênfase na análise dos efeitos da globalização financeira sobre os dois primeiros tópicos. Vale a pena abordar alguns dos elementos nos próximos dias. É importante sublinhar, no entanto, o seu timing perfeito para discutir o presente o futuro do(s) capitalismo(s) a nível global.


Como ilustração, deixo este quadro relativo à evolução do rendimento disponível pelos agregados familiares entre meados dos anos 80 e 90, e entre meados dos anos 90 e meados desta década. Vemos que em Portugal (onde o último ano de referência é 2000, ver nota 1), durante o primeiro período, o rendimento dos agregados do quintil mais pobre cresceu mais lentamente do que o mais rico (taxa de crescimento anual de 5.7% contra 8.7%); mas entre meados dos anos 90 e o ano de 2000 o crescimento beneficiou os mais pobres: os agregados do quintil mais pobre viram o seu rendimento disponível crescer a uma média de 5% por ano, enquanto os do quintil mais rico 'apenas' cresceram a um ritmo de 4.4.% por ano.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Ritmos diferentes


Tem havido muito alarme e discussão sobre o desemprego de recém-licenciados, que tem aumentado nos últimos anos. Independentemente da proporção do problema, o quadro aqui colocado (retirado do Education at a Glance 2008, que pode ser consultado aqui) ajuda a perceber o que pode ter criado a situação actual: se em 1995 apenas 15% dos jovens (em idade habitual de finalização de um curso superior) completavam uma licenciatura (coluna Tertiary-type A), em 2006 era um terço da coorte que o fazia - 33%. Em pouco mais de uma década, a percentagem de jovens a sair com um curso superior mais do que duplicou no nosso país.
Isto ajuda a perceber as dificuldades actuais: a estrutura de formação universitária tem mudado de forma mais muito rápida do que a estrutura dos empregos.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

We are Americans

Enquanto estava a ver uns dados sobre desigualdades nos E.U.A., não deixei de notar algumas semelhanças ao nível da distribuição de rendimento entre este país e o nosso pequeno rectângulo. Por intermédio de um mero exercício analítico (vale somente como tal), comparei as percentagens sobre a repartição do rendimento total por 'quintil' referentes as estas duas economias nacionais. Para o caso português utilizei os dados divulgados por Carlos Farinha Rodrigues na última edição do Le Monde Diplomatique (edição portuguesa) e para a realidade Americana recorri aos valores apresentados neste livro (p.56):

.....................................................EUA (2004).... Portugal (2005)

1º quintil (20% mais 'pobres')..............4,2%................7,7%

2º quintil.........................................9,6%...............12,1%

3º quintil.........................................15,4%.............15,9%

4º quintil.........................................23,0%.............21,5%

5º quintil (20% mais 'ricos')................47,9%.............42,8%


A semelhança é impressionante. É uma comparação grosseira mas reveladora no que diz respeito aos níveis de concentração de rendimento em torno dos 20% mais ricos. Estamos perante dois países muito diferentes em quase tudo (área territorial, volume populacional, graus de riqueza e de desenvolvimento, modelo económico, modelo social, etc.). E, no entanto, em termos das desigualdades económicas (salvo as devidas proporções) estamos muito próximos. O que é estranho, dado que estas últimas três décadas representam para Portugal o período de implantação e suposta consolidação do Estado Social e democrático, enquanto que para o EUA estes são os anos de desmantelamento dos serviços (e dos direitos) públicos. Afinal, o que falhou em Portugal? Entre os americanos a discussão e os debates (sobre as raízes do problema e as políticas a tomar) têm sido intensos e, em certo sentido, abertos aos holofotes do resto mundo. Também aqui poderíamos continuar ser todos americanos e não ter receio do debate e da definição de alternativas políticas de governação.
Nota: O título deste post é obviamente provocatório.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O fim do American Dream (ou o regresso às classes sociais)



Estes dois gráficos que comparam a variação do rendimento real das famílias americanas ao longo de dois períodos distintos são verdadeiramente impressionantes. Assim, entre 1947 até ao final da década de 70, o rendimento aumenta de forma quase equitativa em todos os estratos (quintis) de rendimento, com especial incidência para os 20% mais pobres que vêem o seu rendimento crescer em 116%. Note-se que durante estes anos é no escalão dos 5% mais ricos que se verifica o menor aumento (proporcional) de rendimento real.
No período seguinte dá-se uma inversão radical, os mais pobres conhecem uma pequena redução do rendimento real, enquanto no caso dos 5% mais favorecidos o aumento é da ordem dos 81%. Estes gráficos dizem muito sobre a evolução da sociedade americana no que concerne não só ao aumento das desigualdades sociais, mas também aos níveis de mobilidade social ascendente que tenderão a ser cada vez mais reduzidos.
Nota: gráficos retirados daqui.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Nota de rodapé (ou de fim de página)


Esta pequena série de posts sobre capital social e policentrismo não representa um simples exercício teórico. Na verdade, esta reflexão (meramente exploratória) retoma a questão central sobre a qual tenho discorrido neste blogue: o problema das desigualdades sociais não se resolve somente com mais e melhores políticas sociais (desejáveis), é necessário, simultaneamente, uma alteração profunda na política económica e administrativa do país. As conclusões do estudo coordenado pelo sociólogo Alfredo Bruto da Costa são bem demonstrativas a este respeito. Essa mudança profunda não implica, quanto a mim, uma revolução, nem sequer uma ruptura radical do sistema económico, mas implica a definição estratégica de um modelo. Como também já referi, a reformulação do papel e da acção do Estado é particularmente importante. Isso não passa por simplesmente reduzir o peso Estado nas suas várias áreas de actuação, mas passa necessariamente por reformular parte das suas instituições e agências. A ideia que lancei sobre um Estado propulsor, capaz de imergir no tecido social e económico de maneira a produzir sinergias e novas dinâmicas locais, vai precisamente nesse sentido. É nesta linha que enquadro os conceitos operativos de capital social e policentrismo, tendo por base aquilo que designei como princípio da cooperação. Ou seja, um princípio orientador que incida na maximização dos recursos disponíveis (económicos, sociais, humanos…), tendo como objectivo central o aumento significativo da equidade social e dos níveis de autonomia das populações e das comunidades.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Quem anda à chuva...

«The decadent international but individualistic capitalism in the hands of which we found ourselves after the war is not a sucess. It is not intelligent. It is not beautiful. It is not just. It is not virtuous. And it does not deliver the goods».
John Maynard Keynes

Estamos todos a ver no que dá o grande capitalismo financeiro. Keynes diria "bem feito".
E vale a pena sublinhar a última frase: it does not deliver the goods. Nos últimos 25 anos, com a liberalização dos mercados de capitais, foi-nos prometido estabilidade, crescimento e prosperidade. Um quarto de século depois, é preciso perguntar onde estão eles - já para não falar no aumento das desigualdades. E com a estagnação prolongada que se adivinha, podemos continuar à procura.

Exige-se coragem aos políticos europeus e mundiais.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Capital Social e Policentrismo IV







A diminuição das desigualdades (referida no final deste post) significa, até certo ponto, dotar as populações de capacidade (segundo a perspectiva de Amartya Sen) para se tornarem autónomas no que diz respeito à liberdade para viver o tipo de vida que têm razões para valorizar. Entendo que o princípio da cooperação só é plenamente realizado se potenciar essa capacidade de autonomia face a dependências externas, sejam elas de carácter subsidiário ou de dominação económica e/ou administrativa (desproporcionalmente centralizada). No entanto, a autonomia não pode ser simplesmente desligada de outros sectores da sociedade, como o Estado. Na verdade, dificilmente a autonomia poderá ser gerada contemplando somente o nível e a acção dos agentes locais (indivíduos, grupos, comunidades, etc.).
Por vezes, algumas versões de capital social, tendem a separar a densidade cívica e associativa do papel e da intervenção do próprio Estado, como se este representasse por natureza um entrave à sua autonomia e dinamização. Partilho de uma visão diferente que considera o Estado como um agente cada vez mais activo na maximização das potencialidades locais, de modo a que estas se reflictam no incremento da equidade social e dos níveis de autonomia.
Penso que a partir deste consenso mínimo é possível olhar para determinados sectores da sociedade portuguesa integrando o princípio da cooperação como um elemento essencial para se avaliar e se questionar o sentido e as consequências de certas políticas públicas.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Capital Social e Policentrismo III


Tendo por base a breve descrição dos pressupostos teóricos de cada um destes conceitos, não é despropositado afirmar que ambos incorporam o princípio da cooperação como um factor imprescindível para se poder alcançar valor acrescentado, seja ele em forma de valor económico, cultural e/ou societal, etc.
Do meu ponto de vista, este princípio é composto por três dimensões interdependentes partilhadas tanto pelos pressupostos que orientam o policentrismo, como pelos fundamentos do conceito de capital social. Primeiro, parece-me evidente que emerge deste princípio uma lógica de eficiência que não deve ser descurada, mas que também não convém ser exacerbada. Ambos os conceitos evidenciam a maximização dos recursos disponíveis para o alcance de valor acrescentado que ultrapasse largamente a mera soma das partes. A potenciação desses recursos inscreve-se, parcialmente, na dinâmica das redes sociais e na intensidade relacional que se estabelece entre indivíduos ou territórios.

De facto, tanto o policentrismo como o capital social participam desta perspectiva de maximização de recursos. Todavia, quer num quer noutro conceito, a eficiência só se transforma em efectiva mais-valia se esta contribuir decisivamente para o aumento dos níveis de equidade social, económica, política, etc. (que representa a segunda dimensão). No caso do capital social, grande parte da literatura enfatiza a interdependência entre o incremento das redes sociais - mais os níveis de confiança (herdados e/ou criados) - e o aprofundamento da participação cívica que poderá expressar-se, entre outros factores, no crescimento do volume de projectos e de iniciativas de desenvolvimento no seio das comunidades.
O mesmo sucede com a concepção policêntrica que encara o ordenamento territorial como um sistema reticular entre povoações urbanas organizado por intermédio de relações de partilha e de complementaridade. Ou seja, segundo o princípio da cooperação, a lógica de maximização dos recursos, que emana dos conceitos em causa, tornar-se-á relativamente ineficaz se da sua aplicação não resultar uma diminuição estrutural das desigualdades sociais e territoriais.
Continua...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Capital social e policentrismo II

O conceito de capital social tem um significado muito diferente relativamente ao de policentrismo (ver post em baixo), mas, em certa medida, participa de alguns dos pressupostos enunciados, designadamente, a importância atribuída às redes sociais. Segundo P. Bourdieu (1980) e J. Coleman (1990), pode entender-se por capital social a confluência e partilha (por parte de indivíduos ou de grupos sociais) de recursos (sociais, económicos, culturais, etc.) considerados importantes que resultem da inter-conectividade das relações e redes sociais. Bourdieu (1980) refere especificamente a posse de uma rede durável de relações de inter-conhecimento e inter-reconhecimento. Neste sentido, o capital social tem por base a persistência temporal das redes que se dinamizam a partir das relações de reciprocidade assentes na comunhão de determinadas normas e valores. Isto é, os indivíduos (ou os grupos sociais) interagem segundo a expectativa de que em alguma altura poderão tomar partido (pessoal, social, económico…) da pertença a essa rede.
Para além das redes sociais, o conceito de capital social incorpora uma outra componente determinante: a confiança. Sem esta não é possível implementar relações de credibilidade e de fiabilidade entre os diversos agentes sociais. Ou seja, sem o pressuposto da confiança recíproca, entre diferentes actores sociais, dificilmente se poderão constituir redes sociais suficientemente engajadas e duráveis.
Por intermédio da abordagem de R. Putman (2000), o conceito de capital social ultrapassou os pressupostos definidos inicialmente. Para além de outras dimensões, este passou a ser utilizado para caracterizar o nível de participação e de empenhamento cívico não só dos indivíduos ou de comunidades restritas, como tende a abarcar o âmbito das regiões e, até, dos países. Já são amplamente conhecidas e divulgadas as duas modalidades distintas de capital social que propôs para o estudo dos níveis de capital social: bonding e bridging. A primeira representa um tipo de capital exclusivo que identifica uma dinâmica centrífuga (de dentro para fora), no sentido do reforço das identidades sociais e da manutenção da homogeneidade entre pessoas que vivem situações similares (familiares, de amizade, de vizinhança...); a segunda, bridging, contempla um carácter mais inclusivo, de natureza centrípeta (de fora para dentro), no sentido das ligações sociais conseguirem mobilizar e atrair indivíduos e grupos de diferentes meios e contextos sociais com as quais normalmente não se estabelecem ligações fortes e contínuas.
Continua...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Capital Social e Policentrismo: esboço de uma reflexão (em vários capítulos)

Existe uma extensa produção científica em torno destes dois conceitos (sobretudo, no de capital social), mas não tem sido muito habitual reflectir e debater sobre o modo como estes se poderão articular do ponto de vista analítico e também operativo, nomeadamente, ao nível da definição e enquadramento das políticas públicas. Independentemente da tradição académica inerente a cada um, entendo que existe um princípio orientador que é comum a ambos: o princípio da cooperação. Tanto as análises sobre o policentrismo como as que se debruçam sobre as várias modalidades de capital social consideram, de uma maneira geral, que a cooperação entre diversos agentes (sejam eles indivíduos, grupos ou comunidades) poderá gerar mais-valias que se repercutirão nos níveis de desenvolvimento socioeconómico das populações e dos seus territórios. Por outro lado, ambos salientam a importância das ligações e das redes sociais como elementos centrais na produção de confluência de interesses e de articulação de objectivos comuns.
Analisarei neste post os pressupostos básicos do policentrismo. As versões mais correntes baseiam-se na ideia de organização e de ordenamento dos territórios tendo por base a intensificação das relações entre as cidades, que, por sua vez, representam uma espécie de nódulos aglutinadores a partir dos quais se constituirá uma alargada integração reticular que transcende o perímetro territorial ocupado por cada área urbana. De forma muito sintética é possível afirmar que o objectivo principal desta perspectiva é o de incrementar nas cidades (sobretudo as médias e as pequenas) uma plataforma de conexão interurbana que permita não só aprofundar e potenciar os índices de desenvolvimento socioeconómico, como propiciar as condições necessárias para a sua internacionalização nos mercados globais.
De um certo ponto de vista, trata-se da proposta de um modelo de urbanização alternativo ao da concentração metropolitana em torno das grandes urbes. Na verdade, o seu pressuposto adequa-se, em certa medida, aos sistemas urbanos em forma de arquipélago compostos por cidades médias, e/ou pequenos focos de urbanização, cuja configuração predomina em muitas regiões europeias, como é o exemplo do território português.

Continua...

terça-feira, 9 de setembro de 2008

O grande arco do conservadorismo, da esquerda à direita

Lutar contra as desigualdades num país como Portugal é difícil. Para além das dinâmicas de equilíbrio negativo que as sustentam de modo quase semi-automático, grande parte das elites económicas, políticas, profissionais, jornalísticas, etc., só se lembra delas quando se trata de acusar um qualquer governo de incompetência. Nos restantes 300 e tal dias do ano, as desigualdades não trazem grande mal ao mundo. Pelo contrário, permitem ter acesso a produtos e serviços a preços baixos.

Mas é ainda mais difícil lutar contra elas quando agentes altamente qualificados que deviam ter a luta contra as desigualdades no topo, senão da sua agenda, pelo menos da sua preocupação ou sensibilidade, desvalorizam mudanças em processos absolutamente essenciais no mecanismo de reprodução das (ou luta contra as) desigualdades.

Falo, neste caso específico, dos resultados escolares. Para estes agentes, quando os resultados melhoram - e os dados mais recentes mostram que melhoraram -, são "artificiais", ou não merecem "credibilidade", ou são para "inglês ver", ou são "propaganda", ou...ou....

Estes são, recordo ingenuamente, os mesmos resultados escolares que, quando generalizadamente negativos, punem as crianças os jovens, e definem o seu futuro de forma precoce. São os mesmos resultados que, quando generalizadamente negativos, reproduzem ou reforçam a pobreza e as desigualdades, privando as crianças e os jovens de um futuro diferente do dos seus pais. São os mesmos resultados escolares que ajudam a que Portugal exiba - no dia da publicação do enésimo relatório internacional sobre educação que sublinha este problema - um défice quase escandaloso de qualificações nas comparações internacionais.

Mas, suponho, com isto, não parece haver grande problema. O problema mesmo é quando os resultados melhoram. Ora, não, não, isso é que não pode ser! Que isso permita às crianças e jovens outros horizontes escolares e profissionais - e, convém lembrar, ao país - é, parece, absolutamente irrelevante.

Apetece-me dizer que, entre acabar com a retenção e o insucesso escolar e acabar com a OCDE, imagino que muitos escolhessem a segunda hipótese. Ficávamos a saber um bocadinho menos do mundo, mas seguramente mais reconfortados na luta pela "exigência" da educação e contra o "facilitismo" e a "propaganda".

A luta contra as desigualdades é também uma luta contra o conservadorismo - de esquerda e de direita. Para quem sofre as suas consequências, que ele seja de esquerda ou de direita é, afinal de contas, irrelevante.

São 12%, não 60%

Foram publicados hoje os dados do Education at the Glance 2008, relatório anual da OCDE sobre os sistemas educativos. Há dados interessantes, embora não muito actuais (a maioria é de 2005 ou 2006; este é o delay habitual nestes trabalhos internacionais), que pode ser útil explorar neste blogue nos próximos dias. De qualquer forma, não posso deixar de achar interessante que a notícia que está em todos os sites de órgãos de comunicação - e que, suponho, reproduz um take da Lusa da 10 horas da manhã - tenha um erro grosseiro.
Assim, escreve-se:

Educação/OCDE
Portugal é segundo país de 27 com mais empregados sem qualquer qualificação
2008-09-09, 10h00
Lisboa, 09 Set (Lusa) - Cerca de 60 por cento da mão-de-obra em Portugal não tem qualquer formação específica, sendo apenas ultrapassada, entre 27 países ocidentais, pela Turquia, onde aquele indicador se situa nos 64 por cento, revela um relatório internacional.



Este indicador é muito importante, e é tratado logo no primeiro capítulo do relatório (indicador A1 (pp.28-50)). Mas o autor desta peça faz uma confusão enorme. Atente-se no quadro que está aqui em baixo, a partir qual a notícia foi, imagino, feita.

A OCDE divide as ocupações em 9 categorias, de acordo com a ISCO - International Standard Classification of Ocupations. Da responsabilidade da Organização Internacional do Trabalho, a ISCO é a grelha internacionalmente mais usada para organizar as ocupações em função das suas tarefas e funções. Como se pode ver, a ISCO tem 9 categorias:
Categoria 1: Legislators; senior officials; managers
Categoria 2: Professionals
Categoria 3: Technicians; associate professionals
Categoria 4: Clerks
Categoria 5: Service workers
Categoria 6: Skilled agricultural and fishery workers
Categoria 7: Craft and related trades workers
Categoria 8: Plant and machine operators; assemblers
Categoria 9: Elementary occupations

Para facilitar a análise neste reatório, a OCDE juntou as categoria 1, 2 e 3 em ocupações qualificadas (skilled); as categoria 4, 5, 6, 7 e 8 em ocupações semi-qualificadas (semi-skilled); e deixou a categoria 9 sozinha, relativa às ocupações não-qualificadas (unskilled) (como explica na página 34).

Podemos discordar deste processo de agregaçao de categorias; mas não podemos chamar nomes diferentes às coisas. Quando a notícia em causa diz que «cerca de 60 por cento da mão-de-obra em Portugal não tem qualquer formação específica», comete não um, mas dois erros. Primeiro, o indicador refere-se aos empregos, e não à mão-de-obra. (esta diferença é importante, porque uma das análises do relatório incide precisamente sobre a distinção entre o tipo de empregos existentes na estrutura económica e as qualificações da mão-de-obra. Por exemplo, conclui-se que em todos os países existem mais empregos - definidos como - qualificados do que mão-de-obra - definida como - qualificada. Este é um aspecto que podemos analisar num outro post.).

Segundo, basta olhar para a tabela - para a última coluna da direita (25-to-64-year-old population) - para ver que, para Portugal, o valor de 60 está na célula relativa às semi-skilled occupations (que agrega, relembro, as categorias 4, 5, 6, 7 e 8 da ISCO). Reporta-se a empregos na indústria, no comércio, nos serviços, na agricultura e na pesca que exigem competências (e/ou qualificações) específicas. Não se trata de forma alguma de empregos - ou, como diz a notícia, repito, erradamente - de «empregados sem qualquer qualificação». Se queremos saber quantas pessoas estão em empregos "desqualificados", vemos então que são 12% (para o ano de 2006; 13% em 1998).
Os 60% dizem respeito, antes, a ocupações semi-qualificadas, nos mais diversos sectores e actividades.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Desigualdades no Mdiplo


O jornal Le Monde Diplomatique (edição portuguesa) vai publicar ao longo dos próximos meses uma série de artigos dedicados à temática das desigualdades sociais. Este número de Setembro integra um artigo de autoria do economista Carlos Farinha Rodrigues intitulado “Desigualdade económica em Portugal”, que complementa e actualiza a análise efectuada no seu livro. O texto não só divulga dados recentes sobre a distribuição do rendimento, como apresenta algumas séries temporais sobre a evolução das desigualdades desde 1994 até 2005. A partir da análise verificamos que a distribuição do rendimento não se alterou significativamente ao longo desta década. Os níveis de concentração continuam a ser elevados, nomeadamente, no que concerne ao rendimento monetário: o índice de Gini era de 0,358 em 1994, aumentando para 0,373 em 2005. Contudo, ao se contemplar o rendimento não monetário, observa-se uma certa atenuação que se expressa na estabilização dos valores do índice. Na verdade, é precisamente na distribuição do rendimento monetário que se verifica os maiores níveis de assimetria entre os mais ricos e os mais desfavorecidos. Outro dado interessante tem a ver com a contribuição das diferentes fontes de rendimento para a desigualdade: para além dos salários (65,4%), as pensões representam a segunda fonte (14,9%) a contribuir para a desigualdade, tendo aumentado para o dobro a sua proporção (em 1994 cifrava-se em 6,9%). Ou seja, as pensões reproduzem, em grande medida (e provavelmente até acentuam), as discrepâncias que se encontram na distribuição salarial. Outros dados são apresentados neste importante artigo que vale toda a pena ler.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

«It's a great blue-collar, hourly-paid, union job up there»

A decisão de John McCain de nomear Sara Pallin como vice da sua candidatura espantou meio mundo. Por muitas voltas que dê ao assunto, não consigo encontrar melhor adjectivo do que aquele usado por Michael Tomasky: trata-se de uma «insane choice».

A quantidade de problemas causados por Pallin a McCain pode ainda ir no início. Não vale a pena falar muito dos rasgados elogios a Hillary Clinton que deixaram McCain embaraçado parante as câmaras; nem do facto de a sua filha adolescente e solteira estar grávida de 5 meses (a gravidez adolescente é, afinal de contas, uma espécie de pecado capital para os conservadores, e um indicador inequívoco da negligência dos pais na educação das suas filhas). Polémicas novas parecem surgir todos os dias a um ritmo espectacular.

Do ponto de vista sócio-económico, é mais interessante o que Palin disse em resposta a uma pergunta sobre o marido, numa entrevista realizada uns dias antes de ser seleccionada para ser a vice de McCain:

«Q: Your husband works up in the North Slope, correct?

A: He does. He works for BP as an oil production operator up in the oil fields. It's a great blue-collar, hourly-paid, union job up there. It's one of those jobs that Alaskans really like to have because it provides so well for a family, and Alaskans are very blessed to have the opportunities to work in the oil patch. »

Alguém tem de informar Sarah Pallin que o partido a que pertence não tem feito outra coisa nos últimos 30 anos senão atacar e destruir - em aliança com os interesses do patronato norte-americano - milhões de "blue-collar, hourly-paid, union jobs". De tal forma que em 2007 «union members accounted for 12.1 percent of employed wage and salary workers».
Fazer o elogio do emprego sindicalizado, bem pago, com descontos para a segurança social e seguro de saúde, não tem grande coisa a ver com o programa económico do Partido Republicano.

Talvez não seja desconhecimento. Talvez seja apenas hipocrisia.

Cidades com muitos nomes


Cidades sem Nome, o título de último livro de Fernanda Câncio, é mais do que uma antologia de crónicas sobre a condição suburbana. A escrita viva e incisiva não só retrata com vigor os múltiplos perfis dessa condição, como fornece os elementos essenciais de como ela é construída no dia-a-dia. A autora descreve-nos quatro territórios distintos - quer na sua geografia e, sobretudo, quer na sua composição sociológica (Brandoa, Bela Vista, Belas Clube de Campo e Vila Franca de Xira). Três ideias fortes e contraditórias me assaltaram (a consciência?) enquanto lia estes textos. A primeira ideia com que se fica é que a condição suburbana - supostamente homogénea –não é mais do que um mito moderno como tantos outros. Quanto muito poder-se-ia falar de ‘condições’ diferenciadas. A segunda ideia (sensação!), que deriva da anterior, é a de espaços cheios de vida, ou melhor, de vidas, que contam a sua versão do bairro por intermédio das suas experiências, vivências, raciocínios e expectativas. A terceira ideia, é a de um imenso desespero que, em certa medida, é também um imenso vazio. Parece contraditório, mas foi mesmo assim que o senti: como é que estes espaços tão cheios de vida podem, ao mesmo tempo, ser tão vazios.
O desespero resulta de uma quase permanente sensação de irresolução - do caos urbanístico, da exclusão social, do abandono escolar, da ausência de cidadania, da incapacidade das instituições públicas, etc. – que se transmite a cada testemunho individual ou em cada pequena história colectiva que é contada. Esse desespero de não haver saída é bem exemplificado neste extracto sobre o bairro da Bela Vista, situado na cidade de Setúbal:
«Se há verbo conjugado, nas suas múltiplas declinações, aqui na Bela Vista, é este, desistir. A desistência absoluta de gestão do bairro por parte das entidades proprietárias – primeiro o governo, através do IGAPHE, depois a Câmara de Setúbal. A desistência chega a este ponto de ninguém saber quem vive nestas casas que, construídas com o erário público para funcionar como instrumento de justiça social, se transformaram em mais um gerador de injustiça» (p.61-62).
Cheguei ao fim do livro, que curiosamente correspondeu ao fim das minhas férias, com o pulsar de uma quarta ideia: é preciso atribuir um nome (muitos nomes) a estas e outras cidades, e para tal é preciso estudá-las a sério. Não com o mero intuito de produzir mais um relatório (que sempre fica na gaveta) ou um livro (ou muito artigos científicos), mas com um sentido claro na intervenção e no contributo que a ciências sociais poderão dar para uma concreta transformação social que se reflicta na vida daqueles espaços e das pessoas.
Nb. Imagem roubada daqui.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Estado da arte

Este blogue vai entrar numa fase mais intermitente até final de Agosto. É isso mesmo! Vamos pôr os pensamentos de molho e em Setembro voltaremos com argumentos redobrados e reforçados. Não se esqueçam de regressar ao meio do dia (de preferência). Boas férias!

A economia mundial espera o seu novo Keynes

É assim que termina um artigo de Dani Rodrik, publicado na edição de hoje do Diário Económico (vale a pena ler). O economista discorre sobre a morte do consenso sobre a globalização. Deixo aqui este extracto: «Hoje em dia, a pergunta deixou de ser "é a favor ou contra a globalização?". A pergunta é "quais devem ser as regras da globalização?". Os campeões da globalização já não têm opositores jovens que arremessam pedras, mas sim outros intelectuais que arremessam argumentos».
Ora nem mais!