sexta-feira, 4 de julho de 2008

Orçamento participativo, porque não?

Voltando à questão da via (esgotada) do centralismo e do papel do Estado como um agente impulsionador de novas dinâmicas económicas e sociais, gostaria de reflectir um pouco sobre aquilo que alguns autores têm designado como processo de localização e aprofundamento da democracia. Não se trata de mais um delírio ou feitiço esquerdista. Aliás este debate está cada vez mais no centro das reflexões sobre a reforma do Estado Social. Do meu ponto de vista, a ideia (em que venho empreendendo) de um Estado propulsor tem na sua base precisamente a questão do aprofundamento da democracia, que em grande medida passa por essa capacidade de localização da mesma. Ou seja, a ideia de que parte dos problemas locais e regionais devem ser resolvidos ao nível dessas mesmas escalas, implicando, para o efeito, a participação e a responsabilização das populações. Não se trata de esvaziar o papel do Estado, como desejam alguns sectores da direita liberal que defendem um comunitarismo completamente desligado do Estado. Nada disso! O que se propõe é um Estado parceiro que pela via institucional seja capaz de induzir novas capacidades (no sentido de Amartya Sen) nas populações de modo a se apropriarem dos seus próprios desígnios locais. Como defendem alguns autores, este processo passa necessariamente por uma politização da democracia, em que as decisões políticas ao invés de serem impostas hierarquicamente (de cima para baixo) são definidas implicando a participação de múltiplos actores locais, mas sempre enquadradas numa plataforma jurídica e normativa ancorada nas instituições do próprio Estado.

Os Orçamentos Participativos (OP) são um exemplo interessante neste âmbito. Depois de ultrapassada uma fase inicial de alguma experimentação aliada a um certo folclore político, a prática dos OP está a entrar numa etapa de maior maturidade, que se vem disseminando por diversas zonas do Mundo, deixando de ser um instrumento político exclusivo dos países em vias de desenvolvimento. O facto de deter um âmbito necessariamente local, favorece a sua maleabilidade, pois, tem sido desenvolvido tanto em cidades como em zonas rurais. Sendo dinamizado sobretudo pelas diversas instituições de poder local (regiões, prefeituras, autarquias, juntas de freguesia…). Isto é, o OP representa um instrumento efectivo de ‘agencialização’ por parte do próprio Estado, na medida em que reforça a sua ligação com as populações implicando-as no processo democrático e atribuindo-lhes um certo poder de monitorização e de responsabilização. O OP pode deter diferentes configurações: ser um processo consultivo ou deliberativo; ser alargado a toda a população e/ou só a organizações e associações; a dimensão orçamental que é colocada à participação pode ser definida à partida ou não; pode ser um orçamento temático ou sectorial; pode ser criada uma estrutura de controlo e monitorização; etc.
Em Portugal já existem cerca de 20 experiências auto-designadas de OP, penso que é um caminho interessante a percorrer e que pode resultar se for implementado com adequação. Talvez se justificasse uma previsão regulamentar no quadro legislativo nacional. Para mais informações sobre OP ver aqui.

2 comentários:

Pedro Viana disse...

Apoio todas as iniciativas que promovam a decisão democrática, como é o caso do conceito de orçamento participativo. No entanto, as enormes diferenças no modo como este é implementado exigem que não se considere conjuntamente (por exemplo no momento de avaliação do impacto do OP) o que é na teoria e na prática muito distinto. Por exemplo, é completamente distinto atribuir capacidade deliberativa às assembleias consultivas ou penas um mero papel de aconselhamento. O nível de participação será muito mais fraco no segundo caso, e a participação tenderá a ser dominada por uma minoria de pessoas ainda menos representativa. Aliás, a adequada representação no processo de consulta de todos os interessados é um dos maiores problemas que se colocam aos OP. Não se pode simplesmente assumir que quem se interessa aparece. É por isso que prefiro um modelo de OP em que a representação é assegurada através duma assembleia com poderes deliberativos e constituida por pessoas sorteadas entre os eleitores da unidade terrritorial em causa. A participação pode ser obrigatória, ou voluntária com incentivos (financeiros) associados. Os trabalhos destas assembleias seriam abertas ao público, que poderia inclusivé intervir, mas apenas os membros da assembleia (porque representativos) teriam poder deliberativo. Na prática trata-se de fundir o conceito de OP com o conceito de júri de cidadãos. De outro modo os OP continuaram a sofrer dos mesmos problemas: desintresse e falta de representatividade.

Renato Carmo disse...

Ora nem mais... Estava a matutar num post sobre a questão da representatividade a nível local. Aliás, um dos problemas do OP é que eles podem ser um meio de legitimação dos interesses dos mais esclarecidos e dos que têm mais poder no seio das comunidades, na medida em que detêm mais 'capacidade' em participar. As tuas observações fazem, por isso, muito sentido.