«(...)[U]m país civilizado tem de garantir uma boa educação básica a todos os seus cidadãos (é isto que realmente significa a igualdade de oportunidades), preservando as universidades para as suas elites intelectuais. Aqueles que argumentam que uma expansão acelerada do Ensino Superior é um instrumento de democratização, ou de crescimento económico, estão a enganar-se a si próprios e, o que é pior, aos outros».
Estas linhas não foram escritas há 50 anos, mas em 2003 por Maria Filomena Mónica. Ilustram de forma exemplar a ideologia daqueles que têm um sério problema com a "escola para todos". Não é possível compreender o exercício a que a autora se entregou na passada semana nesse jornal de facção que se tornou o 'Público' sobre o exame de Português [muito justamente ridicularizado aqui] sem perceber que, se ela mandasse, o ensino superior seria monopólio de uma pequena elite. Dado que, felizmente, a situação não é hoje do seu agrado, a autora acha ridículo e inaceitável tudo o sistema do ensino actual produz.
Para ter uma ideia do que produz um ensino superior historicamente monopolizado pelas elites, basta atentar nos quadros seguintes, que mostram o prémio salarial que advém da posse de um diploma do ensino superior nos países da OCDE (Portugal está no segundo do dois quadros, retirados do Education at the Glance 2007; ver a última coluna All tertiary education). Portugal é, depois Hungria e da República Checa, o país onde este valor [179, tanto para os indivíduos entre os 25 e os 64 anos como para aqueles entre os 30 e os 44 anos; ensino secundário = 100] é o mais elevado. Pior do que isso: em nenhum país a qualificação inferior ao 12.º ano é tão penalizadora, dado que os indivíduos os 25 e os 64 anos nesta situação ganham, em média, apenas 57% dos que possuem o 12.º ano [com uma ligeira subida para 62% no grupo entre os 30 e os 44 anos].
Sendo verdade que a dispersão salarial não é explicada apenas pela dispersão das qualificações, em Portugal esta correlação é muito forte; do grupo da população entre os 25 e os 64 anos, em 2005 apenas 13% da população possuía um curso do ensino superior. Pior, na OCDE, só a Turquia, com 10%, e a Itália com 12%; a República Checa apresenta os mesmos 13% que nós [ver o terceiro quadro].
"Preservar as universidades para as elites", como advoga Maria Filomena Mónica, é a forma mais clássica que elites dispõem para reproduzir o seu poder económico, cultural e, em última análise, político. Não é de espantar que elas o defendam. Mas é, nos tempos que correm, a estratégia menos sofisticada e mais reaccionária. Olhando para estes quadros, qual é o "país civilizado" - que, segundo a autora, e retomo da citação anterior, «tem de garantir uma boa educação básica a todos os seus cidadãos (...), preservando as universidades para as suas elites intelectuais» - que faz o que Maria Filomena Mónica advoga?
A resposta é muito, mas muito simples: nenhum. Este país "civilizado" não existe. A única explicação é que ficou para trás na história - na segunda metade do século XIX, ou talvez na primeira do século XX. Depois, foi sempre a descer. Os filhos dos pobres saíram do «buraco onde nasceram» e entraram na escola. O fim da "civilização", portanto.
Estas "elites" não estão no país errado. Elas estão no milénio errado. Perdoem-lhes a indignação com que enchem, por sistema, as páginas do "Público".
terça-feira, 8 de julho de 2008
O que se esconde por trás do ataque ao 'eduquês'
Etiquetas:
desigualdades salariais,
ensino superior,
Maria Filomena Mónica,
OCDE,
qualificações
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Concordo, obviamente. Escrevo apenas para chamara a atenção para uma interessante discussão que está a ter lugar aqui
http://blogs.publico.pt/dererumnatura/
nos comentários do penúltimo post, intitulado "E os perigos do ensino privado?", a propósito do falicioso texto de ontem de Desidério Murcho no suplemento P2 do Público. Desidério Murcho que é um dos ideólogos do "anti-eduquês" que polulam no Público.
Esta ideologia nada tem de inocente ou de aceitável: É a doutrina da Igreja dos anos 30. A que deu substância a todas as formas de fascismo: Os regimes de imensos pobres agradecidos aos ricos pelas esmolas recebidas. É ir ver a Constituição de 33, o Acto Colonial e a Legislação do Trabalho Indígena.
está lá tudo.
Agora esta campanha da Sonae/Público colocando pressão no Governo para obter mais e mais mordomias e favores é repugnante!
MFerrer
Enviar um comentário