quinta-feira, 5 de junho de 2008

Alguns elementos sobre a pobreza e a desigualdade

A figura deste post - em lógica de polaroid - deixa antever que as despesas públicas em protecção social são particularmente eficientes na redução do risco de pobreza em Portugal. Infelizmente, esta eficácia é, quando avaliada comparativamente, mais relativa do que aparenta. Primeiro, precisamos de saber de que despesas estamos a falar.

Grande parte destas despesas vai para os sectores da saúde e das pensões (como se pode ver na Figure 4, retirada daqui, para dados de 2005) - cujo impacto na redução da pobreza pode ser indirecto (dependendo de como afecta o orçamento familiar) e/ou irrelevante (por exemplo, pensões altas, que pesam nas estatísticas, são pagas a individuos que não correm qualquer risco de pobreza). As transferências para as famílias, como vemos pela barra laranja, por exemplo, são reduzidas em Portugal (1,2% do PIB, 5,3% das despesas sociais) quando comparadas com 3,8% do PIB (12,9% das despesas sociais) na Dinamarca, 3,2% na Alemanha (11,2% das despesas sociais) ou 3% na Suécia (9,8% das despesas sociais) a Finlândia (11,2% das despesas sociais) ou a Áustria (10,7% das despesas sociais). Se estas transferências fossem um pouco mais elevadas, os valores portugueses relativos à população em risco de pobreza, em particular os adultos activos com filhos, seriam sem dúvida inferiores.
Nesta comparação com os países da UE, retirada deste relatório (anexos aqui), Portugal é a cruz posicionada em cima da linha do 20% (os valores são os de 2000) mais à esquerda (a outra representa a Grécia). Ou seja, para o nível de despesas sociais, Portugal devia fazer melhor, ou, por outras palavras, o welfare outcome devia, em função dos economic inputs, ser mais elevado, como acontece como a maioria dos paises à direita e abaixo da linha no gráfico.

É verdade que uma boa parte da diferença entre Portugal e a UE é explicada pelo risco de pobreza dos mais idosos. Se virmos no quadro seguinte (retirado do Plano Nacional para a Inclusão 2006/2008), e para dados de 2004, a diferença entre Portugal e a UE25 para o risco de pobreza infantil era de 3% (23%/20%); para o risco de pobreza dos adultos em idade activa era igualmente de 3% (18%/15%); e para o risco de pobreza dos idosos era de 11% (29%/18%). Dado que para muitos idosos a sua carreira contributiva é limitada ou inexistente, este é um passivo histórico muito complicado de ultrapassar - semelhante ao que se regista nas qualificações, tema a abordar noutra altura -, ainda que as políticas sociais tenham tido desde 1995 uma intervenção assinalável: o valor caiu de 38% em 1995 para 29% em 2004 (dados de 2006 apontam para um valor de 26%).


Sendo uma verdade importante que a desigualdade de rendimentos não devem monopolizar a discussão em torno da desigualdade, como bem lembra o Renato no post anterior (uma questão central que fica para depois), a verdade é que entre 1995 e 2006 o ratio entre o rendimento médio dos 20% mais ricos da população portuguesa e o rendimento médio dos 20% mais pobres desceu de 7,4 para 6,8 (este é um valor provisório). Uma das tendências em Portugal - que se verifica, ainda que com menos intensidade, por toda a Europa, já para não falar o caso norte-americano, esse sim verdadeiramente espectacular nos últimos 30 anos - é a "descolagem" do decil mais rico : veja-se, na figura seguinte, a diferença entre o 10.º e o 9.º decil: o valor do primeiro é equivalente a 181% o valor do segundo!!

Dinheiro é poder, e o poder transmite-se entre pessoas na mesma geração e entre gerações. Se é verdade que em todos os países um conjunto mais ou menos limitado de pessoas consegue um acesso a recursos escassos que lhes permitem manter e reproduzir as suas posições, em Portugal esse potencial de monopólio é mais elevado do que na maior parte dos países mais ricos da Europa.
Para quem isto é um problema - e admito que para muitos não o seja, em particular se fizerem parte do 10.º decil :) -, é necessário pensar nas políticas públicas que coloquem uma ênfase importante na redistribuição de rendimentos e oportunidades. Claro, a demografia e o tempo farão o seu trabalho: é improvável que voltemos a ter, nas décadas futuras, uma tão grande fatia da sociedade com rendimentos ao nivel da sobrevivência: refiro-me aos idosos com baixas pensões. Por outro lado, a melhoria gradual de stock de capital humano nacional poderá equalizar um pouco (dado que o nosso ponto de partida é particularmente adverso) as oportunidades de vida dos indivíduos - isto partindo do principio que o país consegue ganhar a batalha pelas qualificações e que o fenómeno do abandono escolar consegue, a prazo, ser estancado (outro tema central - mais central do que a maioria pode pensar). No entanto, não devemos pensar que o problema, como-o-gato-que-cai-sempre-de-pé, se pode resolver por si: continuarão a ser necessários instrumentos de distribuição e redistribuição nas áreas dos rendimentos e dos serviços determinantes para a igualdade de oportunidades. Não se trata apenas mais recursos para distribuir - trata-se também melhor uso dos mesmos. O objectivo não é apenas uma maior igualdade, mas também garantir uma maior eficácia na mobilização dos intrumentos (re)distributivos.
Fica para outro post a discussão sobre que instrumentos (re)distributivos podem ser esses.

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