Grande parte destas despesas vai para os sectores da saúde e das pensões (como se pode ver na Figure 4, retirada daqui, para dados de 2005) - cujo impacto na redução da pobreza pode ser indirecto (dependendo de como afecta o orçamento familiar) e/ou irrelevante (por exemplo, pensões altas, que pesam nas estatísticas, são pagas a individuos que não correm qualquer risco de pobreza). As transferências para as famílias, como vemos pela barra laranja, por exemplo, são reduzidas em Portugal (1,2% do PIB, 5,3% das despesas sociais) quando comparadas com 3,8% do PIB (12,9% das despesas sociais) na Dinamarca, 3,2% na Alemanha (11,2% das despesas sociais) ou 3% na Suécia (9,8% das despesas sociais) a Finlândia (11,2% das despesas sociais) ou a Áustria (10,7% das despesas sociais). Se estas transferências fossem um pouco mais elevadas, os valores portugueses relativos à população em risco de pobreza, em particular os adultos activos com filhos, seriam sem dúvida inferiores.
Nesta comparação com os países da UE, retirada deste relatório (anexos aqui), Portugal é a cruz posicionada em cima da linha do 20% (os valores são os de 2000) mais à esquerda (a outra representa a Grécia). Ou seja, para o nível de despesas sociais, Portugal devia fazer melhor, ou, por outras palavras, o welfare outcome devia, em função dos economic inputs, ser mais elevado, como acontece como a maioria dos paises à direita e abaixo da linha no gráfico.
É verdade que uma boa parte da diferença entre Portugal e a UE é explicada pelo risco de pobreza dos mais idosos. Se virmos no quadro seguinte (retirado do Plano Nacional para a Inclusão 2006/2008), e para dados de 2004, a diferença entre Portugal e a UE25 para o risco de pobreza infantil era de 3% (23%/20%); para o risco de pobreza dos adultos em idade activa era igualmente de 3% (18%/15%); e para o risco de pobreza dos idosos era de 11% (29%/18%). Dado que para muitos idosos a sua carreira contributiva é limitada ou inexistente, este é um passivo histórico muito complicado de ultrapassar - semelhante ao que se regista nas qualificações, tema a abordar noutra altura -, ainda que as políticas sociais tenham tido desde 1995 uma intervenção assinalável: o valor caiu de 38% em 1995 para 29% em 2004 (dados de 2006 apontam para um valor de 26%).
Sendo uma verdade importante que a desigualdade de rendimentos não devem monopolizar a discussão em torno da desigualdade, como bem lembra o Renato no post anterior (uma questão central que fica para depois), a verdade é que entre 1995 e 2006 o ratio entre o rendimento médio dos 20% mais ricos da população portuguesa e o rendimento médio dos 20% mais pobres desceu de 7,4 para 6,8 (este é um valor provisório). Uma das tendências em Portugal - que se verifica, ainda que com menos intensidade, por toda a Europa, já para não falar o caso norte-americano, esse sim verdadeiramente espectacular nos últimos 30 anos - é a "descolagem" do decil mais rico : veja-se, na figura seguinte, a diferença entre o 10.º e o 9.º decil: o valor do primeiro é equivalente a 181% o valor do segundo!!
Dinheiro é poder, e o poder transmite-se entre pessoas na mesma geração e entre gerações. Se é verdade que em todos os países um conjunto mais ou menos limitado de pessoas consegue um acesso a recursos escassos que lhes permitem manter e reproduzir as suas posições, em Portugal esse potencial de monopólio é mais elevado do que na maior parte dos países mais ricos da Europa.
Para quem isto é um problema - e admito que para muitos não o seja, em particular se fizerem parte do 10.º decil :) -, é necessário pensar nas políticas públicas que coloquem uma ênfase importante na redistribuição de rendimentos e oportunidades. Claro, a demografia e o tempo farão o seu trabalho: é improvável que voltemos a ter, nas décadas futuras, uma tão grande fatia da sociedade com rendimentos ao nivel da sobrevivência: refiro-me aos idosos com baixas pensões. Por outro lado, a melhoria gradual de stock de capital humano nacional poderá equalizar um pouco (dado que o nosso ponto de partida é particularmente adverso) as oportunidades de vida dos indivíduos - isto partindo do principio que o país consegue ganhar a batalha pelas qualificações e que o fenómeno do abandono escolar consegue, a prazo, ser estancado (outro tema central - mais central do que a maioria pode pensar). No entanto, não devemos pensar que o problema, como-o-gato-que-cai-sempre-de-pé, se pode resolver por si: continuarão a ser necessários instrumentos de distribuição e redistribuição nas áreas dos rendimentos e dos serviços determinantes para a igualdade de oportunidades. Não se trata apenas mais recursos para distribuir - trata-se também melhor uso dos mesmos. O objectivo não é apenas uma maior igualdade, mas também garantir uma maior eficácia na mobilização dos intrumentos (re)distributivos.
Fica para outro post a discussão sobre que instrumentos (re)distributivos podem ser esses.
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