segunda-feira, 9 de junho de 2008

Desigualdades salariais: as qualificações ou as instituições? II

Em jeito de adenda ao mesmo post do João Rodrigues - que aproveito como deixa para levantar um problema de que já tinha falado, mas não em profundidade (embora já tivesse trabalhado este tema há já bastante tempo, noutro sítio) -, que questiona: «como explicar que as desigualdades salariais tenham aumentado num período (1995-2005) em que, apesar de tudo, as qualificações dos portugueses aumentaram de forma assinalável?».

Ora, é indubitável que durante este período as qualificações dos portugueses cresceram imenso. E é indubitável que elas cresceram de forma mais equitativa em relação à estrutura de qualificações da geração dos nossos pais. Mas também é indubitável que este crescimento é ainda muito desigual. E vai continuar a pesar - de forma mais ou menos acentuada: aqui o papel das instituições é sem dúvida importante - na dispersão salarial do futuro.

Aliás, a polarização que James Heckman (que citei num post anterior) refere relativamente aos EUA - «sociedade americana está a polarizar-se. Proporcionalmente, mais jovens americanos estão a concluir a universidade do que no passado. Ao mesmo tempo, a taxas de conclusão do ensino secundário sao as mais baixas do que há 40 anos» - faz lembrar o que se passa em Portugal, cuja realidade podia ser descrita desta forma: mais jovens portugueses estão a concluir a universidade do que no passado. Ao mesmo tempo, as taxas de conclusão do ensino secundário continuam a ser as mais baixas da Europa desenvolvida.

Temos por isso uma perigosa bifurcação ao nível das qualificações: uma parte muito significativa de cada coorte vai para o ensino superior (os números de 2003/2004 não nos deslustram: da população entre os 20-24 anos, 46.8% estava no ensino superior, enquanto a média da UE25 era 50.7%; ampliar a Table 2.4., retirada daqui, para ver melhor), enquanto uma fatia extraordinariamente significativa da outra parte fica pelo caminho - sem o ensino secundário. O segundo quadro mostra como Portugal está na cauda do grupo de países onde os jovens entre os 18 e os 24 anos e que apenas completaram a escolaridade obrigatória (9.º ano) estão fora do sistema educativo e de formação.
Se a isto juntarmos o previsível efeito de que a saída precoce do sistema de ensino correlaciona fortemente com o risco de pobreza do indivíduo (ver quadro seguinte para a UE15, tirado dos anexos deste relatório: o valor é de 0.657), então vemos a consequência - presente e futura - de negligenciarmos o funcionamento - e os seus outputs - do sistema educativo.


A boa notícia é que o insucesso no ensino secundário está em queda - que esperamos possa ser sustentada. A notícia é que o insucesso das últimas décadas vai pagar-se muito caro. Vai pagar o país e vão pagar os indivíduos que não saíram do sistema de ensino sem um diploma do secundário. Por isso é essencial que eles voltem à escola (se ainda tiverem idade) ou ao sistema de formação. E por isso é essencial que não se desvalorize a luta contra a recuperação que o país necessita de fazer neste campo. Tal como na luta contra as desigualdades de rendimento, só uma coligação transideológica, transpartidária e que mobilize todos os parceiros sociais é que pode permitir fazer esse caminho.

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