sábado, 28 de junho de 2008

Criação de emprego e reforma laboral II

Na linha do meu post anterior, apresento mais dados (retirados deste livro) que mostram que a legislação de protecção do emprego (LPE) pode ter um efeito negativo no emprego. O quadro em baixo correlaciona o crescimento do emprego em serviços ao consumidor entre 1979 e 1995 para um conjunto de 14 países (Portugal não está incluído) e a rigidez/flexibilidade da legislação de protecção do emprego.

Naturalmente, pode haver efeitos escondidos de outras variáveis. Nas regressões realizadas pela autora, no entanto, a legislação de protecção do emprego parece ter um efeito explicativo importante.
Ao mesmo tempo, e porque uma variável nunca explica tudo, muito do efeito negativo que a LPE pode causar num dado país pode ser contrabalançado por outras variáveis que favorecem a criação de emprego, como a existência de:
- mecanismos eficazes de concertação entre parceiros sociais para acertar salários;
- níveis elevados de sindicalização;
- um stock de população altamente qualificada;
- capacidade para atrair investimento internacional;
- capacidade para competir nos mercados internacionais.

Infelizmente, não me parece que qualquer destas variáveis possa compensar, em Portugal, o efeito da rigidez oficial da nossa LPE na criação de emprego (como pode acontecer noutros países). A concertação social no geral, e os dispositivos de negociação colectiva em particular, são limitados; o nível de sindicalização é, no sector privado, fraco; a nossa população apresenta défices altos de qualificação; a nossa capacidade de atrair investimento internacional pode ter sofrido um impacto importante com o alargamento da UE a Leste, onde as condições fiscais e a qualificação dos trabalhadores são mais favoráveis; e a nossa capacidade para competir nos mercados internacionais não me parece que possa ter aumentado em função do factor anterior (i.e., a abertura a Leste (e basta olhar para este gráfico e começar a ver a dimensão do problema)) e de outros como, por exemplo, a maior integração da China na economia global, que nos afecta mais do que afecta, por exemplo, uma Suécia, uma Alemanha ou uma França.

Neste cenário, o que pode fazer um governo em tempos de pouca margem de manobra macroeconómica? Pode, claro, tentar mudar algumas das condições que fazem parte da lista de cima. Mas é forçoso reconhecer os seus limites, dado que em alguns casos elas dependem de variáveis internacionais, e noutras dependem da coordenação entre parceiros sociais que, mesmo que funcione pontualmente, está longe de ser transversal, profunda e de estar institucionalizada - e o governo não pode obrigar ninguém a chegar a acordos eficazes se ninguém estiver interessado em fazê-lo. Por fim, o aumento do stock de qualificações e competências da população está a acontecer, mas - dada a distância de partida que nos separa da Europa - será sempre demorado.

Onde outras variáveis que não estão listadas em cima podem ter, pela acção governamental, uma importância positiva na criação de emprego - como o esforço na expansão das políticas activas de emprego, ou a criação de condições que incentivam a a entrada das mulheres no mundo do trabalho (como as relativas à existência de creches ou à licença de maternidade) - tem havido avanços positivos, mas o seu impacto pode ser lento (no caso das primeiras) ou relativamente reduzido (das segundas).

As diferentes alavancas do policy mix ao alcance dos decisores políticos não parecem, por isso, fornecer nenhuma solução eficaz e rápida. Claro, podia-se mexer na dimensão fiscal - descer as contribuições pagas por empregadores à segurança social, por exemplo - ou reduzir os benefícios associados ao subsídio de desemprego, mas qualquer destas intervenções seria sempre normativa, ideológica, politicamente muitíssimo delicada e desaconselhável.

Perante este conjunto de situações, ou seja, (também) porque não há grandes soluções alternativas, a necessidade de mexer na LPE - e, antes de tirar conclusões, tenhamos em atenção de uma vez por todas que o «Portuguese labor market emerges as the most regulated in Europe in all existing rankings of indexes of employment protection» - acaba por tornar-se inevitável.

É que se nada for feito, corremos mesmo o risco de cair no cenário que Olivier Blanchard afirmava há 2 anos ser o mais provável para Portugal (se, repito, não houvesse policy changes): «the most likely scenario is one of competitive disinflation, a period of sustained high unemployment until competitiveness has been reestablished, the current account deficit and unemployment are reduced». E acrescenta: «It is a process fraught with dangers, both economic and political, and one which can easily derail».

Este é um cenário que todos aqueles que não respiram a lógica do quanto-pior-melhor deviam, parece-me, querer evitar.

3 comentários:

Pedro Viana disse...

Alguns comentários. Primeiro, não percebo o que este novo gráfico adiciona à discussão. Segundo, Portugal não tem, e nunca teve nos últimos 20 anos, uma taxa de desemprego particularmente alta, particularmente se olharmos para os resto dos países da EU. Como é que o Hugo explica tal, se ainda por cima em Portugal não se encontram as outras condições que o Hugo afirma como sendo passíveis de beneficiar o emprego? Terceiro, a regulação do despedimento através da legislação laboral é algo muito complexo, donde não percebo como é possível condensar essa complexidade num único número: a "rigidez". Basta pensar que existem pelo menos dois grandes tipos de despedimento: o individual e o colectivo. Sempre ouvi dizer que apesar de em Portugal o despedimento individual ser difícil, o colectivo (que pode ser até de apenas 2 pessoas...) não é. Parece-me altamente arbitrário escolher atribuir qualquer tipo de "peso" a diferentes tipos de despedimento, de modo a obter um único número, a "rigidez". Parece-me que para uma empresa o que interessa é poder realizar despedimentos colectivos quando em situação económica problemática, e não despedimentos individuais arbitrários de quem o patrão não gosta. E não estou a ser demagógico. A rigidez do despedimento individual existe por isso mesmo. Entre a defesa de certos princípios nas relações humanas e a defesa da eficiência económica, não hesito pela primeira opção. E sim estou a ser moralista, e é por isso que sou de esquerda :)

Hugo Mendes disse...

Pedro,

O gráfico é mais um exemplo de um estudo, e reforça o que tenho dito. Podia por mais. Não se pode dizer - como oiço escrito todos os dias - é que não existem múltiplas indicações empíricas de que uma LPE muito proteccionista é negativa para a criação de emprego.

"Portugal não tem, e nunca teve nos últimos 20 anos, uma taxa de desemprego particularmente alta, particularmente se olharmos para os resto dos países da EU. Como é que o Hugo explica tal, se ainda por cima em Portugal não se encontram as outras condições que o Hugo afirma como sendo passíveis de beneficiar o emprego?"

Porque as condições mudaram. A competição com a Europa e o resto do mundo aumentou, e a entrada em cena dos países de Leste, em particular, veio deteriorar a posição que Portugal ocupava dentro da Europa desde a sua entrada - talvez a par da Grécia - de "Terceiro Mundo interior" onde era vantajoso investir. Este modelo de crescimento está esgotado, e estamos a viver isso mesmo, com a queda e estagnação da nossa competitividade, a desaceleração da produtividade e a inversão do processo de 'catching up' em relação à Europa. Leia, se quiser, o paper do Olivier Blanchard que linkei. O cenário para a nossa economia não é muito sorridente.

Quanto ao resto, a 'rigidez' é resultado de um índice que é composto por várias dimensões (por exemplo, relativas aos horários de trabalho, à facilidade de despedir - e aos procedimentos concretos envolvidos, quanto tempo demoram, quanto dinheiro custam, etc. -, às regras contratuais, à existência ou não de um salário mínimo, à representação dos trabalhadores, etc.). Existem vários índices - o da OCDE é um, existem outros construídos por outros autores, mas os resultados relativos a Portugal não mudam muito.

"Entre a defesa de certos princípios nas relações humanas e a defesa da eficiência económica, não hesito pela primeira opção."

Esta dicotomia é um bocadinho maniqueísta. Há formas de conciliar as duas dimensões evitando tempo de espera, dinheiro perdido e sofrimento dos dois lados, em particular para o trabalhador. E, para dar um exemplo, o pior é um trabalhador ficar agarrado a um emprego que odeia só porque tem pavor de, se um dia ficar desempregado, saber que não consegue encontrar emprego. Isto não é bom nem para as relações humanas nem para a eficiência económica.

Na verdade, não vale a pena termos a melhor lei do mundo - seja ela qual for - se não a conseguirmos aplicar, e este é um problema seríssimo em Portugal no qual ninguém parece interessado. E com isto multiplicamos a precariedade, porque é isto que reproduz o poder patronal e deixa as pessoas entre a espada do desemprego e a parede de um emprego sem direitos. Mais vale ter uma lei mais 'realista' que facilite a integração formal do trabalhador no mercado de trabalho, com uma contratualização efectiva.

Hugo

Pedro Viana disse...

"Não se pode dizer (...) é que não existem múltiplas indicações empíricas de que uma LPE muito proteccionista é negativa para a criação de emprego."

Para a taxa de criação de emprego é, tal como para a taxa de criação de desemprego. É claro que numa sociedade em que é muito fácil despedir, os fluxos laborais serão muito mais intensos. Mais importante é a taxa de emprego, e essa não é tão afectada como isso pela legislação laboral. Depois, claro, como já disse antes, há que ter em conta a qualidade do emprego. Apesar da polémica relação entre nível de desemprego e de salário mínimo, ninguém com um mínimo de sensibilidade de Esquerda advoga a inexistência de salário mínimo ou um valor que não permita uma vida minimamente condigna.

"Este modelo de crescimento está esgotado, e estamos a viver isso mesmo, com a queda e estagnação da nossa competitividade, a desaceleração da produtividade"

E como é que um novo modelo aparece em virtude dum "relaxamento" da legislação laboral, que pretende antes de mais permitir continuar a competir com outros países através da minimização dos custos do trabalho?... Apenas adia a transição para um novo modelo económico, mantendo a flutuar empresas que vivem de vender mais barato em vez de vender melhor.

"Existem vários índices - o da OCDE é um, existem outros construídos por outros autores, mas os resultados relativos a Portugal não mudam muito."

Não sou de todo especialista na matéria, mas lendo aqui e ali, chego a duas conclusões: a grande diferença na legislação laboral portuguesa relativamente a outras reside na elevada protecção contra o despedimento individual, muito menos importante para as empresas que o despedimento colectivo; a taxa de desemprego em Portugal segue de mais perto o ciclo económico do que em países com legislação laboral mais "flexível", demonstrando assim que a "rigidez" portuguesa é apenas aparente. Do último ponto resulta que na prática diminuir a "rigidez" da legislação laboral pouco impacto terá, e devem-se procurar outras causas como principais geradoras da debilidade económica portuguesa. Aceito mais facilmente como argumento a necessidade de alterações à legislação laboral para torná-la mais próxima da prática corrente, com uma das contrapartidas sendo uma maior fiscalização, do que a necessidade de alterá-la como resultado de critérios de maior eficiência económica.

"Entre a defesa de certos princípios nas relações humanas e a defesa da eficiência económica, não hesito pela primeira opção."

"Esta dicotomia é um bocadinho maniqueísta. Há formas de conciliar as duas dimensões evitando tempo de espera, dinheiro perdido e sofrimento dos dois lados, em particular para o trabalhador."

É um pouco maniqueísta, mas por vezes não há um contínuo. Por exemplo, ou se pode despedir sem justa causa ou não. Não há meio termo.

"Há formas de conciliar as duas dimensões evitando tempo de espera, dinheiro perdido e sofrimento dos dois lados, em particular para o trabalhador."

Realmente há outras maneiras de promover o emprego, que não através da possibilidade de despedimento individual sem justa causa. Este ponto é básico, pois vai ao cerne da razão da existência de legislação laboral: a protecção da parte fraca, o empregado, relativamente à arbitrariedade da parte forte, do empregador. Tudo o resto na legislação laboral pode ser até certo ponto negociado, mediante contrapartidas. A legislação laboral não tem como objectivo tornar a economia mais eficiente, pelo menos não dum ponto de vista de Esquerda.

"Na verdade, não vale a pena termos a melhor lei do mundo - seja ela qual for - se não a conseguirmos aplicar, e este é um problema seríssimo em Portugal no qual ninguém parece interessado. E com isto multiplicamos a precariedade, porque é isto que reproduz o poder patronal e deixa as pessoas entre a espada do desemprego e a parede de um emprego sem direitos. Mais vale ter uma lei mais 'realista' que facilite a integração formal do trabalhador no mercado de trabalho, com uma contratualização efectiva."

Concordo, como acabei de dizer. Mas: 1) há aspectos inegociáveis; 2) obviamente tem de haver contrapartidas concretas (por exemplo, mas não só, muito maior inspecção das práticas empresariais e maior rapidez na justiça).