sábado, 7 de junho de 2008

Como não projectar o futuro

Este texto de Paul Krugman que o João Caetano linkou não é apenas uma pérola; é um sério aviso para o futuro. Krugman escreve como se estivesse em 2096 e olhasse para o mundo cem anos antes, e descrevesse a forma como, naquela altura, se projectava o século XXI. Em 1996, por altura do seu centenário, a revista do New York Times pediu a Paul Krugman - e a outros - para se imaginar a viver em 2096 e escrever um artigo sobre o passado. Vale a pena ler o texto, que abala os mitos que a ideia de "sociedade" ou a "economia do conhecimento" pode alimentar nos mais optimistas (ingénuos?) sobre o futuro.

É verdade que no futuro todos vamos trabalhar provavelmente mais com computadores e em serviços produtores de símbolos, numa economia "desmaterializada" e "limpa". Mas vamos todos mesmo? Este cenário é, infelizmente, irreal. Por muito que se continuem a criar empregos ricos e exigentes em conhecimentos e competências intelectuais e técnicas, não vão desaparecer os trabalhadores nos serviços da restauração, turismo, comércio de retalho, etc. Naturalmente, diferentes sociedades estão em diferentes momentos deste processo (permitam-me algum evolucionismo fácil): Portugal ainda precisa e vai criar muitos mais empregos altamente qualificados. É por isso que a luta no atraso no stock nacional de qualificações é absolutamente essencial.

Mas noutros países mais prósperos uma grande parte do emprego no futuro terá de ser criado em áreas onde as qualificações não são propriamente essenciais, como nos serviços de pouca produtividade de que dei exemplo acima (food-and-fun-jobs). Não tenho dados relativos a projecções aqui à mão neste momento - e sabemos que as projecções são falíveis -, mas a verdade é que se a sociedade pós-industrial não é propriamente o espaço idílico que os sociólogos e ensaístas norte-americanos dos anos 70 previam (o locus classicus é esta obra de Daniel Bell), a "sociedade pós-pós-industrial", independentemente da sua estrutura, continuará a precisar de muita gente que faça trabalho que valerá, tanto do ponto de vista simbólico como do económico, menos que outro mais estimulante e bem pago. E continuará estruturada em classes sociais. Não foi o comunismo que acabou com elas no passado; não será também a tecnocracia liberal que o fará no futuro.

E para isto o investimento em educação não pode ser a solução - nem a «educação, educação, educação» de Tony Blair -, ou pelo menos a única solução (se isto parece entrar em contradição com o post anterior, é porque o mundo é sempre mais complicado do que parece - e a redistribuição sempre mais exigente do que pensamos. A luta contra as desigualdades num mundo "pós-pós-industrial" (seja lá o que "isso" fôr, e seja lá quando fôr que isso chega) vai ter de continuar a apostar na redistribuição de recursos, de oportunidades, e de riscos). Nenhuma sociedade é tão "educada" como a norte-americana, e ela apresenta bem os problemas que decorrem da explosão de empregos nos food-and-fun-jobs: salários baixos e precariedade profissional que alimenta a enorme desigualdade salarial. Como resolver o problema do emprego, dos salários e das condições de contratação e de trabalho destes trabalhadores - o tal precariado do século XXI que substitui o proletariado industrial marxista - é uma das grandes questões que se coloca aos Estados sociais e ao esforço de redistribuição das políticas públicas.

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