quinta-feira, 26 de junho de 2008

Criação de emprego e reforma laboral

Um dos grandes desafios presentes e futuros de qualquer Estado social preocupado com a sua sustentabilidade é a capacidade de manter um nível elevado de crescimento de emprego. Sem crescimento de emprego o financiamento de qualquer sistema de protecção social - e não aqui falo no bem-estar das populações sequer - estará em maus lençóis.

Muito se tem discutido, mais do ponto de vista ideológico do que científico, sobre a reforma laboral em curso em Portugal. É importante reconhecer que existem estudos que mostram que sistemas com leis oficialmente rígidas (na prática é outra coisa: mas a flexibilidade que existe é também o outro lado da não aplicação da lei - e da sua não aplicação precisamente pela sua rigidez) não são amigas da criação do emprego.

Diz-se por vezes que não existe estudos que mostrem o efeito da regulação laboral sobre a criação de emprego. Isso nao é bem verdade. Existem inúmeros trabalhos que apontam para um efeito - fraco nuns casos, moderado noutros, mas que pode ser muito importante em certos casos individuais. Este quadro, por exemplo (retirado deste livro), mostra a existência de uma correlação razoável [-.495 (-.596 sem a Irlanda e a Holanda, casos excepcionais de capacidade de criação de emprego, por motivos diferentes)] entre a criação de emprego (média anual do crescimento do emprego total entre 1990 e 2002) e a protecção legal do emprego (no final da década de 1990). Isto é um sinal importante de que, em certos casos, a excessiva rigidez oficial (que, repito, produz precariedade e informalidade pelo incentivo que oferece ao incumprimento da lei, um fenómeno de extraordinárias e perversas dimensões em Portugal) pode, em vários casos, dificultar a criação de novos postos de trabalho. Alguma flexibilização - que não significa de modo algum uma desregulação tout court, atenção - pode ser justificada se isso permitir ganhar alguma capacidade de criação de emprego, em particular quando os níveis de desemprego sobem e ameaçam instalar-se de forma consolidada. A dimensão legal está longe de ser a única variável aqui em causa, claro, mas é expectável que uma mudança equilibrada aqui permita 'ganhar terreno' ao fenómeno do desemprego, como alguns países têm vindo a fazer pela Europa fora, em cooperação com os sindicatos (pelo menos os que percebem a centralidade do problema e querem ajudar a resolver o problema). Tornar o emprego difícil - e incentivar, indirectamente, os empregadores a adquirir máquinas em vez de contratar pessoas - não é uma estratégia viável nem inteligente nos nossos dias.



As palavras do autor, Jonas Pontusson, devem ser lidas com rigor, atenção e cautela: «A liberalização das regras de protecção de emprego dificilmente pode ser vistas como o elemento central da luta contra o desemprego, mas as economias de mercado social bem podem melhorar o seu desempenho relaxando as suas regras» (p.124).

Nos próximos dias voltarei a este tema.

4 comentários:

Pedro Viana disse...

Note-se em primeiro lugar que a correlação não de todo forte. Em segundo lugar é fortemente influenciada por "outliers" como a Irlanda, Holanda por um lado e Suécia e Finlândia por outro. Em terceiro lugar, correlação não implica causalidade. Aliás, o Hugo explicitamente nos diz que existem factores (na Irlanda e Holanda) que tiveram maior influência no emprego que o grau de protecção laboral. Talvez nos devessemos concentrar mais nesses factores, se são mais importantes. Finalmente, nem todos os empregos são iguais. Numa economia onde a protecção laboral é baixa há uma maior pressão sobre os salários, resultando num aumento dos empregos muito mal pagos e num crescimento dos "working poors", fenómeno extremamente comum nos EUA e cada vez mais presente em Portugal, como indicam as últimas estatísticas sobre a probreza. Seria portanto importante saber quanto do emprego criado nos países mencionados foi emprego associado a um salário que permita às pessoas viverem condignamente. O emprego só tem interesse nessa condição, de outro modo é pouco mais do que escravatura.

zz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

pedro viana disse...
"Numa economia onde a protecção laboral é baixa há uma maior pressão sobre os salários, resultando num aumento dos empregos muito mal pagos e num crescimento dos "working poors""

A competição no mercado de trabalho pode funcionar por vezes a favor do trabalhador, por exemplo se a troca de emprego for fácil, um trabalhador terá mais disponibilidade para procurar empregos melhor remunerados, o que cria pressão sobre o seu empregador para subir o salário dos seus trabalhadores, se não quiser/puder subir o ordenado o trabalhador troca de emprego.
O que acontece mais fácilmente em centros urbanos, com mais oferta de emprego, e onde uma mudança de emprego normalmente não implica uma mudança de habitação.



Uma empresa ao contratar um trabalhador não deveria ficar responsável pelo seu "seguro de obsolencia", na eventualidade de novas tecnologias/outsourcing/emigração/depressão tornarem o trabalhador numa liabilidade/despesa para a empresa, a obsolencia, este mal, que é uma mal para o trabalhador (que pode ser qualquer um de nós) é piorado ao mante-lo empregue artificialmente pois esta-se a sustentar uma situação insustentável; seria melhor despedir o trabalhador, pagar-lhe o subsidio de desemprego e [este por iniciativa própria] procurar moldar as suas capacidades para as necessidades da economia de forma a obter de novo um emprego. O que sendo mau é melhor que manter o trabalhador numa situação de empregablidade artificial, prejudicando a empresa (em competição, pelo menos, no mercado europeu) e retirando incentivos para o trabalhador corrigir a sua situação.


Talvez um dia venha-mos a ser permanentemente obsolentos, nesse dia serão precisas outras politicas, mas esse dia não é hoje.
Hoje precisamos de flexi-segurança.

Hugo Mendes disse...

Pedro,

A correlação é razoável. É verdade que correlação não implica causalidade. Normalmente, a regressão costuma apontar esta variável como importante (neste estudo ela não foi feita, depois faço outro post sobre outro estudo onde há regressão).
Quanto à Irlanda e Holanda, eu queria dizer que eram diferentes entre elas; não que a criação não se devesse à flexibilização da lei. No caso da Holanda foi, em medida, isso mesmo que aconteceu, de facto. Hoje na Holanda uma fatia muito importante dos empregos são "part-time jobs". O incrivel crescimento de emprego (o 'milagre holandês') neste país deveu-se a vários 'rounds' de concertação entre os parceiros sociais para flexibilzar a lei, embora tenha havido importantes medidas de compensação para evitar o aumento das desigualdades (convém também lembrar que a Holanda partia de taxas muito baixas de actividade no início dos anos 80). No caso da Irlanda a questão fiscal é mais importante (embora a flexibilidade laboral seja, by default, alta também).

Quanto ao resto, são questões delicadas do ponto de vista normativo. O fenómeno dos "working poor", que é real, pode ser neutralizado por políticas públicas que compensem os trabalhadores nesses empregos, seja através de impostos negativos ou de serviços públicos (e aqui os EUA falham, embora bastante mais no segundo aspecto do que no primeiro). É evidente que devemos ter sempre atenção à qualidade dos empregos, embora por vezes seja complicado evitar o trade-off entre quantidade e qualidade...

Hugo